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sexta-feira, 30 de março de 2012

O JUIZ INIMIGO Nº 1 DOS NARCOTRAFICANTES


Magistrado mais antigo do país na esfera da 1ª instância federal, o Juiz Odilon de Oliveira já condenou centenas de traficantes e tirou cerca de R$ 2 bilhões de reais da mão de criminosos.

Sua história de vida é parecida com a de qualquer outro imigrante nordestino. Casado com Maria Divina de Oliveira, pai de três filhos, todos advogados, e fã de Jerry Adriani, Jovem Guarda, livros sobre terrorismo e crime organizado, Odilon de Oliveira nasceu há 60 anos no pequeno município de Exu, em Pernambuco. Aos 4 anos se mudou com a família para o Estado do Mato Grosso. Filho de pais lavradores, teve uma infância miserável, que lhe custou a vida de primos e de um irmão. Trabalhou na roça dos sete aos 17 anos. Foi alfabetizado em casa, meio a contra-gosto no início, por um roceiro amigo da família. Concluiu o ensino médio 15 anos depois, já com 24 anos e bem mais amigo dos livros, em uma escola pública da cidade de Jaciara, onde a família tinha se instalado quando chegara ao Mato Grosso. No ano seguinte, partiu para Campo Grande, onde se formou em Direito pela Universidade Católica Dom Bosco, instituição particular que bancou dando aulas como professor primário em uma cidade próxima.

30 anos depois de se formar como advogado, ele é reconhecido nas ruas de Campo Grande -  chegou até a dar autógrafos. Não, ele não abandonou a advocacia para se tornar jogador de futebol, nem cantor de dupla sertaneja e muito menos ex-participante de um reality show qualquer. Na verdade, é aqui que sua vida deixa de ser parecida com a de qualquer outro imigrante nordestino, ou melhor, é aqui que sua vida deixa de ser parecida com a de qualquer pessoa normal.

Odilon ganhou notoriedade por sua atuação como juiz federal, função que exerce desde 1987. Principalmente entre os anos de 2004 e 2005, quando esteve em Ponta Porã, município que faz divisa com o Paraguai. Neste período, ele condenou mais de 100 traficantes, desmantelou quadrilhas especializadas em lavagem de dinheiro e tirou das mãos de criminosos mais de 30 mansões, 18 aviões, 85 fazendas (que juntas somam 36 mil hectares) e centenas de automóveis e apartamentos. No total, um prejuízo de cerca de R$ 2 bilhões ao tráfico. Tirar esses recursos dos traficantes representa uma dupla vitória, diz Odilon, pois também existe o golpe moral, importante para mostrar aos jovens que o crime não compensa.

Mas não foram apenas os duros golpes desferidos contra o tráfico que chamaram a atenção da mídia e do público.

Odilon se tornou, neste período, inimigo número 1 dos traficantes: sua cabeça chegou a valer, segundo investigações da polícia brasileira e paraguaia, US$ 1 milhão no mercado do crime de encomenda. Com a segurança em risco, enquanto morou em Ponta Porã, só saia do Fórum em caso de extrema necessidade. Abriu mão do convívio diário com a família, que ficou em Campo Grande, de restaurantes (ele almoçava marmitex comprados em locais estratégicos para evitar o risco de envenenamento) e chegou a morar integralmente na sala onde despachava, sobre um colchonete e sob a vigilância de sete agentes federais fortemente armados.

A história do juiz que vivia tão ou mais confinado que os bandidos que condenava começava a chamar, ainda mais, a atenção. "A diferença é que eu tenho a chave da minha cadeia", repetia Odilon nas diversas entrevistas que concedia.

Hoje, já de volta a Campo Grande, Odilon ainda não conquistou seu habeas corpus. Seja em casa, no prédio da Justiça Federal do Mato Grosso do Sul, onde trabalha, ou durante suas caminhadas nas dependências de uma unidade militar de Campo Grande, ele está sempre acompanhado de agentes federais. O trajeto entre esses lugares é feito apenas com veículos com blindagens que suportam tiros de fuzil: “Já não dirijo há mais de cinco anos”, reclama o juiz. Foi sob este forte esquema de segurança que conseguimos bater um papo com Odilon de Oliveira.

Como foi sua infância? E a saída de Pernambuco para o Mato Grosso?
A minha infância foi muito sofrida, de passar fome mesmo. Trabalhava o dia todo na roça, desde o clarear do dia até escurecer. Brincar mesmo só aos domingos, depois de tratar os animais. Saímos de Pernambuco quando o Governo do Estado de Mato Grosso estava colonizando a região norte. Havia muita migração de nordestinos. Meu pai e mais oito irmãos vieram e se estabeleceram no Município de Jaciara, onde cada um adquiriu, dentro desse programa estadual de colonização, uma pequena área de terra. Os lotes ficavam um ao lado do outro e a cultura era apenas de subsistência, manual. Eu, meus irmãos e todos os primos crescemos nesse ambiente.
"Fui alfabetizado tardiamente, à noite, em casa, após um dia de trabalho cansativo, em volta de uma mesa de madeira e à luz de lamparinas"
E sua alfabetização? Quem te ensinava? O senhor gostava de estudar, mesmo depois de um dia inteiro de trabalho?
Fui alfabetizado tardiamente, à noite, em casa, após um dia de trabalho cansativo, em volta de uma mesa de madeira e à luz de lamparinas. O professor chamava-se José de Laurindo, que também era roceiro e não devia ter mais do que o primário, hoje 4ª série. Eu não gostava muito de estudar. Minha mãe conta que eu furava a tabuada e a cartilha pensando que, assim, ficaria livre dos estudos. Depois de concluir o ginásio numa escola de educandários, gratuita, terminei, em 1972, o segundo grau, já com quase 24 anos de idade, em uma escola pública de Jaciara.

E a faculdade de direito? De onde surgiu a vontade de ser advogado?
Quando eu ainda trabalhava na roça com meus irmãos, já pensava em ser advogado. Ouvia histórias de advogados e isto me empolgava. “Ainda vou ser advogado”, eu dizia, pra reprovação dos meus irmãos. 

E onde fez faculdade? Como foi sua vida neste período?
No começo de 1973, deixei Jaciara e vim para Campo Grande, onde eu tinha passado nos vestibulares de pedagogia e direito. Optei pelo curso de direito, na Universidade Católica Dom Bosco, onde me formei em 1977. Eu morava numa antiga pensão, em Campo Grande, e, até o 4º ano do curso, dava aulas na pequena cidade de Sidrolândia, a 70 km de Campo Grande. Ia e vinha de ônibus, numa estrada sem asfalto. Neste meio tempo me casei, em 1975, e fui morar num bairro distante. Das 2 da tarde até às 6, depois chegar de Sidrolândia, eu ainda fazia estágio, que me pagava um salário mínimo. O que eu ganhava mal dava para sustentar a família. A faculdade me dava um desconto, a título de bolsa, e o restante era financiado pelo crédito educativo. Pelas dificuldades financeiras e pela falta de tempo e de ambiente, nunca me envolvi com o lado social. Todo o tempo que sobrava do trabalho era empregado nos estudos. Fui extremamente esforçado na faculdade, muito estudioso. Lembrava da vida dura da roça e sabia que meu futuro dependia do estudo.

Depois de se formar advogado, qual foi o caminho até se tornar juiz federal?
Quando passei no vestibular de direito, já pensava em ser juiz, mas não tinha noção de fronteiras e pouco ouvia falar em drogas. Minha vontade era ser juiz porque achava interessante o papel do julgador. Dois anos depois de formado, fui aprovado em concurso nacional para procurador autárquico federal. Passados mais dois anos, também por concurso, assumi o cargo de promotor de justiça, no qual permaneci por apenas um ano. Fui aprovado em concurso para juiz de direito. Quatro anos mais tarde, em 1987, fui aprovado em concurso nacional e tomei posse como juiz federal. Como magistrado federal, atuei sempre em região de fronteira (Mato Grosso, Rondônia e Mato Grosso do Sul). Pelas características dos crimes, acho empolgante trabalhar em fronteira. Adoro o que faço. Se não fosse juiz, seria militar.
Atuando como juiz, o senhor já condenou diversos traficantes. O que é mais difícil: prender os acusados, condená-los ou mantê-los presos?
Condenar é mais fácil. Manter na cadeia gente miúda também é fácil. A quase totalidade dos 440 mil presos do Brasil é formada por criminosos do baixo clero. 90% saíram da população de baixa renda. A grande dificuldade é manter preso um bandido economicamente poderoso. Isto deixa no povo a impressão de que os tribunais interpretam a Constituição e as leis de maneira permissiva. Tem que haver uma mudança cultural em relação ao chamado “crime do colarinho branco”. Crime cometido com uma caneta é tão crime quanto o crime cometido com uma arma de fogo.

Uma das grandes críticas ao sistema Judiciário brasileiro é o excesso de burocracia e a sua lentidão. Por outro lado o esquema de tráfico e da lavagem de dinheiro cada vez se moderniza mais, fica mais eficiente. Como combater tais atividades nessas condições? Quais mudanças poderiam ser implementadas no sistema Judiciário para torná-lo mais eficaz?

O Brasil emprega um estilo vira-lata no combate ao crime organizado. Precisa de maior seriedade. Isto produz efeitos negativos internos e fora do país. A globalização da criminalidade, do tráfico de drogas, da lavagem de dinheiro e dos delitos financeiros, pedem uma estratégia dura por parte de todos os países. A fraqueza de um prejudica os demais, principalmente quando se trata de um corredor de exportação de cocaína, como é o Brasil, vizinho da Colômbia, Peru e Bolívia, maiores produtores mundiais dessa droga.
É preciso endurecer a legislação, estruturar as polícias, adequar o sistema prisional e acabar com a corrupção dentro dele, incrementar a cooperação internacional quanto à colheita de provas e recuperação de ativos, criar um cadastro nacional de imóveis urbanos e rurais e dar atenção a técnicas especiais de investigação, como delação premiada, infiltração de agentes, entregas vigiadas, vigilância eletrônica, vigilância bancária etc.
"Uma das grandes armas da megatraficância é exatamente se infiltrar no Estado-repressor, corrompendo ou colocando gente sua lá dentro"
A gente escuta falar que o tráfico está bancando o estudo de jovens para que se tornem advogados, promotores e até juizes. A intenção seria ter homens de confiança trabalhando para o tráfico dentro do sistema. O senhor tem informações sobre essa prática? Conhece algum caso?
Uma das grandes armas da megatraficância é exatamente se infiltrar no Estado-repressor, corrompendo ou colocando gente sua lá dentro. Essa prática já existe, embora seja difícil de ser identificada e provada, pois é exercitada silenciosamente, muito às ocultas. É como pressão alta e colesterol, que vão subindo de maneira dissimulada. Eu conheço alguns casos suspeitos.

Durante sua atuação em Ponta Porã, o senhor condenou 114 traficantes. Todos continuam presos? Qual a sensação de condenar um criminoso e ele conseguir a liberdade, seja através de recursos, ou através de maneiras menos lícitas: subornos, fugas de presídios, etc?

Os que não estão foragidos já se encontram em liberdade, salvo aqueles que voltaram a ser presos por novo crime. Até março de 2007, o traficante também tinha direito, segundo o Supremo Tribunal Federal, a permanecer em regime fechado apenas durante o cumprimento de um sexto da pena. Quem foi condenado a 18 anos cumpriu três e saiu, por exemplo. Depois, melhorou um pouco: sai do regime fechado o traficante que, primário, cumpre dois quintos, ou três quintos, se reincidente. Essa liberdade prematura deixa uma sensação de impotência e a certeza de que a sociedade passa a confiar cada vez menos na justiça penal.

No fim do ano passado o senhor recusou uma promoção a desembargador do Tribunal Regional Federal. Por quê?
Sempre recusei promoção por dois motivos básicos. Primeiro que a violência urbana de São Paulo me assusta e me faz preferir Campo Grande, cidade ainda boa para viver com a família. Segundo porque não tenho perfil para atuar em colegiado. Prefiro o front, o contato direto e pessoal com a realidade. A própria vivência já me tornou resistente e imune a eventuais riscos decorrentes desta longa atuação neste Estado.
O senhor já disse que a principal forma de combater o tráfico é a prevenção. Quais as práticas ideais que um país deve tomar para uma prevenção eficiente?
O uso de drogas virou uma pandemia no mundo inteiro. A prevenção começa com a educação escolar, com o diálogo aberto entre pais e filhos, entre a família e a escola. A estrutura familiar e a religiosidade são fundamentais. A criança, o adolescente e o jovem precisam conhecer os efeitos danosos das drogas. A lei nº 6.368/76, revogada após 30 anos, nunca foi cumprida na parte em que obrigava a criação de matéria específica e de formação de professores na área de prevenção. A prevenção ao uso de drogas corresponde ao saneamento básico em relação a certas doenças.

Desde agosto de 2006 a legislação brasileira proíbe a prisão de usuários e dependentes de qualquer droga. Concorda com essa determinação?
Vale no mundo das drogas a lei da oferta e da procura. A legislação penal brasileira peca por não fazer distinção entre o simples usuário e o dependente. No meu entender, o viciado não deve ser preso em hipótese alguma. Tem que se submeter a tratamento e a medida educativa. O simples usuário, aquele que não é viciado, deve ser condenado a penas de multa e de prestação de serviços à comunidade e a freqüentar programas educativos. No caso de recusa, ou de ineficiência dessas medidas, deverá ser levado à prisão, separadamente.

Abrir o jornal e ler que no mercado do crime encomendado sua cabeça vale US$ 1 milhão certamente não garante boas noites de sono. Mas, por outro lado, deve ser um motivo de certo orgulho...
Isto me dá a certeza de que meu trabalho vem gerando resultados positivos, atrapalhando o crime organizado.
"Já atiraram em minha casa e, em Ponta Porã, duas vezes tentaram invadir locais em que eu estava hospedado.”
Qual o pior atentado que sofreu? Alguma vez achou que iria morrer?
Nunca sofri atentados, mas já estive, algumas vezes, na iminência de sofrer. Já atiraram em minha casa e, em Ponta Porã, duas vezes tentaram invadir locais em que eu estava hospedado. Primeiro, foi no hotel de trânsito do Exército, sendo que a tentativa foi prontamente rechaçada por militares. Houve troca de tiros. Logo em seguida, ainda em 2005, num hotel comum perto da linha de fronteira, pistoleiros estavam posicionados num veículo aguardando minha saída. A escolta percebeu e o veículo fugiu para o Paraguai. Houve mais dois episódios numa academia de musculação, também em Ponta Porã, dos quais só depois se ficou sabendo. E alguns outros planos já foram descobertos e desarticulados.

Como sua família lida com todo o perigo que envolve sua profissão?
Eles se preocupam, mas apóiam o que faço.

Seus três filhos (Adriana Mara de Oliveira, 34, Adriano Magno de Oliveira 32, e Odilon de Oliveira Júnior, 25) são advogados. Algum quer seguir seus passos?
Nenhum deles quer ser juiz. É uma profissão que exige muita vocação, só se tiver no sangue mesmo. Porque, além de não valer a pena todo o risco que se corre, é uma área muito difícil de se atuar.
Já pensou em desistir do trabalho no Judiciário?
Quanto ao combate à criminalidade, os países são classificados em fortes, fracos e vencidos. A única coisa que me desestimula é sentir que o Brasil se enquadra no rol de fracos, já em transição para a última colocação...

O senhor voltou para Campo Grande no final de 2005. Como está a questão da sua segurança? E a privacidade? O que mais te incomoda em viver desta maneira?
A segurança não mudou. Ando em carro blindado e escoltado 24 horas por dia. Há um alojamento para as equipes de agentes federais dentro de minha casa. A convivência é boa. São profissionais e até faço amigos entre eles. Já não dirijo há mais de cinco anos. Tive que redefinir, flexibilizar, meu conceito de privacidade para me adaptar a essa segurança - definitivamente necessária no meu caso. O que mais me incomoda, além da falta de liberdade, é o constrangimento natural que causa uma escolta em certas situações. Por exemplo quando vou visitar um amigo ou quando uma pessoa conhecida tem que se identificar aos agentes para entrar em minha casa.

Se, por apenas um dia, o senhor pudesse sair de casa sem riscos e sem a necessidade de seguranças, o que você faria?

Passearia nas praças com meus dois netos.

Pesquisando, vi que o senhor vai se aposentar com 70 anos. Ou seja, daqui a dez anos. Tem planos para a aposentadoria?
Aos 70 anos, a aposentadoria será compulsória. Se pudesse, ficaria por mais tempo, não só porque tenho gás de sobra para o trabalho, mas também para não perder a segurança. Depois de aposentado, pretendo escrever sobre temas ligados à criminalidade.
Pra uma pessoa que já prendeu tanta gente e que vive preso a um sistema de segurança implacável, o que é liberdade para o senhor?
A liberdade é a coisa mais preciosa da vida, principalmente para quem a perdeu por imposição dos criminosos e não da lei.

Fonte: Revista Trip UOL - http://revistatrip.uol.com.br/so-no-site/entrevistas/filho-de-exu.html